Radio Palavra

terça-feira, 29 de junho de 2010

A pedra no meio do caminho

Não é uma experiência agradável encontrar uma pedra no caminho, principalmente quando está indo tudo muito bem em nossa vida. Pedra é sinônimo de obstáculo, de sofreguidão, de esforço. Normalmente lidamos mal com os obstáculos, nos desconcertamos, perdemos o ânimo, vacilamos.

É quase inaceitável para um cristão o surgimento de um obstáculo repentino no caminho. Talvez porque cobramos muitas facilidades de Deus para a nossa vida. E, se de repente, isso não acontece, nos questionamos se Deus não “falhou” ao permitir que tal infortúnio nos incomodasse.

Num mundo que vende facilidades e numa religião cristã buscada por muitos somente para solução de problemas, é constrangedor a interposição de um obstáculo entre nós e nossos objetivos. Só conseguimos viver bem num mundo espiritual de causa-e-efeito regido pela lógica do – “se fiz tudo certo, porque algo haveria de dar errado?”.

Topar com uma pedra no caminho é visto, espiritualmente, como um desgaste desnecessário, um “azar” que nada tem de produtivo. Aquilo passa a ser uma fixação na alma do cristão, do mesmo modo como foi para o poeta Drummond, nesse desconcertante poema:

No meio do caminho tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
Tinha uma pedra
No meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
Na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
Tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra

Não é fácil aceitar a existência dessa pedra. Ela paralisa, ela fascina, exerce poder sobre nós. Infelizmente, sempre há uma pedra no meio do caminho que não era esperada. A pedra da traição do cônjuge. O diagnóstico médico daquilo que mais temíamos. O acidente sofrido. O fim de um longo relacionamento amoroso.

Há os que reagem com fatalismo. A frase preferida desses é – “Tudo comigo é difícil!”. E suas preces: “Oh Deus, nada dá certo para mim!”.

Há ainda quem veja na pedra o desvanecer de toda esperança, onde até mesmo a morte é vista como alívio: “Não vejo mais saída... não vejo retorno... não vejo remédio...”.

Uma pedra pode adquirir um significado diferente para cada um: Jacó usou uma como travesseiro. Davi usou uma como arma. Para o pedreiro é material de construção, para o de ânimo dobre pedra é um obstáculo que o impede de continuar o caminho, mas para quem aceita desafios a visão dessa mesma pedra lhe enche de ânimo e vontade de sobrepujá-la.

A pedra no meio do caminho tem o poder de revelar quem somos. Pois é justamente diante do abandono, diante da perda, diante do mais irremovível obstáculo que mostrarei quem eu sou, em que confio e como o meu eu reage diante de situações limites da vida.

Não seria essa pedra no meio do caminho uma oportunidade que Deus nos dá para nos conhecermos? Não é essa pedra que vai apontar para o mais profundo de nosso âmago e tirar das sombras aquele ser exposto em sua total fragilidade, desprotegido e ansioso para que possa ser curado?

Pedra, quando é obstáculo, torna-se obsessão. O poeta não consegue tirar a pedra nem de suas retinas fatigadas nem de seus pensamentos. É impressionante como nos deixamos fixar pelas pedras no caminho. Deus coloca flores ao longo da estrada, há riachos, há sol, há a paisagem, há a bênção divina sobre nós, há a graça, há as promessas, mas o que se imprime indelevelmente em nossos olhos cansados é a pedra. Aonde vamos carregamos essa pedra que surgiu no meio do caminho. Nossos olhos não se fixam no Cristo ressurrecto, mas na pedra do caminho, não olhamos para o Alto, mas para o chão.

Não há personagem do NT que mais tenha encontrado pedras no caminho que o apóstolo Paulo: naufrágios, açoites, prisão, fome, perigo, nudez, espada, e ao final de seu ministério não encontramos um grito retumbante de sucesso, mas um breve lamento por aqueles que o abandonaram. Entretanto ele não se deixa amargurar, nem fascinar. Ele é capaz de reconhecer a presença companheira de Cristo, ao seu lado, é capaz de nos animar e dizer “Alegrem-se, alegrem-se no Senhor, pois a mim não me desgosta”.

A pedra no meio do nosso caminho é um convite a olharmos para Deus. Havia uma pedra entre Jesus e Lázaro morto. Mas Jesus sabe que ela não pode impedir a ação de Deus, e ordena aos homens – “tirem a pedra”. Tirar a pedra é o ato humano que permite iniciar o milagre divino.

Não fique estancado diante da visão de uma pedra, mas continue caminhando. Também não se deixe enredar pela presença desse obstáculo, mas aprenda a se deleitar com as flores do caminho.

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